/
/
A cabeça do profeta João Batista numa bandeja e os sonhos de Marcos Vinicius na cova dos inocentes

A cabeça do profeta João Batista numa bandeja e os sonhos de Marcos Vinicius na cova dos inocentes

photogrid_1500220490535

Pretextos Deus. Uma mulher de nome Isabel, estéril, na velhice recebe o dom da maternidade. Zacarias, o pai do menino, diante do impacto da notícia dada pelo Arcanjo Gabriel, emudece. A alegria enche aquela casa, a vizinhança faz festa; Maria, mãe de Jesus foi a primeira a chegar e logo abraçada por Isabel: “como posso merecer tão nobre visita” (Lc 1,44)? Zacarias agradece e canta: “Bendito seja o Senhor Deus que visitou o seu povo e o resgatou”(Lc 1, 68), e diz a razão de tamanha felicidade: “Serás profeta do Altíssimo, pois irás à frente do Senhor, preparando os seus caminhos” (Lc 1,76). João apresenta a misericórdia de Deus que restabelece a dignidade humana e ainda recebe de Jesus Cristo um destacado elogio quando diz que ele é mais do que um profeta: “dos nascidos de mulher, ninguém é maior do que João” (Lc 7, 28). Uma história perfeita.

Interesses obscuros. Alguém põe fim trágico a esta história. O menino da promessa, alegria de uma casa, é decapitado no cárcere. Muito irônico. “Herodes deu uma festa para comemorar seu natalício. Lá estavam os grandes da corte e os principais da Galileia (Mc 6,21); para agradá-los, a pedido de uma bailarina, o rei apresenta a cabeça do profeta numa bandeja. Vida negada no banquete da morte regado de sangue inocente.

Rio de Janeiro, 20 de junho de 2018. Marcos Vinicius da Silva, 14 anos, é atingido por bala quando resolveu voltar para casa após ter ouvido disparos da operação da Polícia Militar no complexo das favelas da Maré, Zona Norte. O garoto que vinha da escola, após atingido foi socorrido por familiares e levado para Hospital, onde chegou consciente, ou pela primeira cirurgia, mas não resistiu e morreu. É chocante o relato da mãe que ouviu sob forte comoção a última pergunta do filho: “eles não viram que eu estava de farda, mãe?” Vida negada no banquete da morte regado de sangue inocente.

A Campanha da Fraternidade deste ano trata das causas da violência e suas faces na sociedade. A Igreja evidenciou que não se trata de confronto, mas de superação. A intervenção no Rio de Janeiro que é de confronto não mostrou resultados.  Os tiroteios e disparos de armas de fogo aumentaram, a violência se intensificou na região metropolitana, com vítimas inocentes, entre elas crianças e adolescentes. Mais militares foram assassinados e a população vive sob medo e ameaça desde a intervenção militar.

Interesses obscuros. Ainda persistem nesta guerra declarada. A quem interessa manter uma operação na qual os próprios coordenadores não são otimistas quanto a resultados? Que política pública é essa que faz vítima entre pobres, mulheres, negros? Até quando vão insistir nesse banquete da morte regado de sangue inocente?

Depois da morte de João Batista os discípulos reagem; eles assumem com Jesus o anúncio do amor e da solidariedade. “Estamos acostumados com a cultura da indiferença e temos que trabalhar e pedir a graça de fazer a cultura do encontro, do encontro fecundo que restitui a todas as pessoas a própria dignidade de filhos de Deus” (Papa Francisco).

24 de Junho de 2018

Francisco de Assis, CSsR

Bispo de Campo Maior, PI

Compartilhar: